terça-feira, 8 de maio de 2012

A Síndrome de Jack Bauer

Por Edmilson Tavares.


Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus. (Salmos 46: 10)

Há no mundo moderno uma compulsão pelo movimento, a adrenalina em alta é a ordem do dia para muitos que vivem debaixo do Sol.


O correr atrás do vento personificado pelas solicitações naturais da vida, trabalho, educação e família se tornam imperativos absolutos. Tais semi-divindades reclamam as devoções de seus súditos, e esses fielmente lhe cultuam. Se recorrermos a Descartes parafraseando sua lógica diríamos: Eu não paro, logo existo.

Essa relação neurótica como movimento encontra no personagem Jack Bauer uma notável correspondência. Não é fácil “salvar o mundo” em vinte e quatro horas, o peso de tal responsabilidade é proporcional ao resultado positivo ou negativo da missão.

Embora Jack Bauer só tenha vinte quatro horas para fazer-se valer, a duração do filme numa linguagem semiótica ocorre simultaneamente de maneira rápida e lenta para o expectador.

Rápida porque a pressão da missão potencializa cada segundo em “hora-vida”, afinal trata-se da sobrevivência do mundo. Lenta porque a relação sujeito-objeto, expectador-filme super estimula o órgão de percepção, a visão.

Fisiologicamente, todo órgão super estimulado aciona o sistema nervoso central provocando anestesia e catarse na capacidade de reflexão, desse modo, perde-se a noção da realidade e 24 horas se tornam dias, semanas ou meses, paradoxalmente há movimento sem movimento.

Toda “octanagem” acima do recomendado inibe o registro de fluxo do tempo, que embora seja real pela noção de movimento, também é virtual por que é espiralmente centrifugo, sem a qualidade necessária da experiência de passagem, de um antes, um agora e um depois.

Assim é o homem moderno, como uma “barata tonta” se move, mas para lugar algum, tem a urgência, mas não o controle do tempo.

Tornou-se um “worcarolic” existencial, trabalha para um patrão virtual (tempo) que o contrata e o demite sem aviso prévio ou justa causa, sai da vida da mesma forma que entrou. Este é um dos mistérios do tempo, insinua-se, mas só se revela para aqueles que o buscam de verdade. As causas desse labirinto cronológico podem estar vinculadas a duas questões: A fuga de si, ou a fuga de Deus.

Quem não para, pode ter receio de se encontrar, ver-se como realmente é. Marcar um auto encontro e investir tempo consigo pode ser doloroso, mas, também pode tornar-se o caminho da cura. Pascal dizia que todo problema do homem consiste e não ficar pelo menos uma hora e meia sozinho, se Narciso acha feio o que não é o espelho, o espelho acha feio o que é o Narciso.

A outra causa de tanto movimento sem sentido pode ser o medo de encontrar Deus. O movimento acelerado horizontalmente pode ser indicio de uma fuga vertical.

Se o sábado (tempo) foi feito para o homem, e não o homem para o sábado compete-lhe dominar o tempo e não o tempo domina-lo.

Quando Jesus visita a casa de duas discípulas, Maria uma das irmãs “cessa” seus movimentos e queda-se a seus pés para ouvir-lhes os ensinamentos. Marta, ao contrário continua atendo-se as coisas domesticas, ansiosa e inquieta, na linguagem de Jesus, empurrada em varias direções.

Maria imediatamente demarca uma fronteira, cessa o tempo externo e acessa o interno, volta-se do aparente relativo para o absoluto e eterno, personificado ali pelo próprio Jesus, o Filho de Deus.

Marta continua em movimento, sua atenção ao relativo ocupa plenamente sua agenda diária, o relativo cega-lhe a visão, mesmo diante do absoluto não consegue desvencilhar-se de sua teia ocupacional.

Paradoxalmente, embora Maria esteja parada, ela está em movimento, mas em outra dimensão, a interna e vertical, e como escolheu a melhor parte, isso não lhe seria tirado.

Marta se movimenta, mas para lugar algum, desliza numa espiral centrifuga descendente, sua horizontalidade a mantém prisioneira de uma cela temporal, é tanto vitima quanto carrasco de sua própria orientação.

É preciso aprender a aquietar-se. Se a pausa na música possibilita o tempo necessário para a próxima nota, a pausa na vida permite o tempo dos rearranjos, a restauração de forças para suportar e superar cada manhã, para que aconteçam com a qualidade necessária e suficiente.

No entanto, não é apenas uma questão da pausa pela pausa, como um ócio deliberado pela cessação de todo movimento, mas uma interrupção planejada e ansiada, por que envolve a contemplação de Deus.

A pausa é uma abertura no tempo corrido para o lutador da vida se preparar para um novo “round”. É o momento que o canto de seu “corner” se  torna o lugar mais maravilhoso da terra, pois aquele que lhe dá água e pensa-lhes as feridas, seu “segundo”, é o Primeiro de todo o universo.

Já em séculos passados Thomas Merton nos advertia sobre o perigo desse modo de ser do mundo, que o mesmo estava em vias de um grande naufrágio, que era necessário fugir dele a nado, enquanto houvesse tempo.

No campo da ficção Jack Bauer salvou o mundo, ou pelo menos seu país, mas pode não ter salvo a si mesmo. Para salvar-se é preciso aquietar, descansar no criador e salvador do mundo, Jesus.

Agostinho o bispo de Hípona disse: Minha alma está inquieta e sempre estará enquanto não encontrar repouso em ti, oh Deus. Portanto aquietar é preciso, viver não é preciso – Aquietai-vos e sabeis que eu sou Deus.

2 comentários:

  1. O texto ficou ótimo, amei a analogia com a série e a forma como revela um pouco de nós... as vezes não paramos porque realmente temos medo de conhecer quem somos de fato, entender pra que vivemos e para onde iremos... visto que, se analisarmos nossa vida, veremos que há muito a repensar! Parabéns!

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    1. Grato pelas palavras de apoio Cíntia, que Deus possa continuar abraça-los de forma amorosa, lembre-se sempre: "Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus..." [Salmos 46: 10]

      Amamos vocês,
      Equipe Teologia do Povo.

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