quinta-feira, 19 de julho de 2012

Caçador de Mim



Por Edmilson S. Tavares

Caçador de Mim 
Milton Nascimento

Composição: Luís Carlos Sá e Sérgio Magrão

Por tanto amor; Por tanta emoção; A vida me fez assim; Doce ou atroz; Manso ou feroz; Eu caçador de mim; Preso a canções; Entregue a paixões; Que nunca tiveram fim; Vou me encontrar; Longe do meu lugar; Eu, caçador de mim; Nada a temer senão o correr da luta; Nada a fazer senão esquecer o medo; Abrir o peito a força, numa procura Fugir às armadilhas da mata escura; Longe se vai; Sonhando demais Mas onde se chega assim; Vou descobrir; O que me faz sentir; Eu, caçador de mim




Uma análise da letra (a caça e o caçador).

A letra acima descreve numa linguagem simples, mas igualmente profunda, o grande paradoxo da condição humana.

A precisão da letra em poucas palavras supera tratados de vários pensadores na área de humanas. A relação caça e caçador como tensão interna de toda angústia existencial representa bem os sentimentos e sintomas do homem a procura de si mesmo.


A distância (longe do meu lugar).

Quando o homem a procura de si mesmo escolhe seu próprio eixo como sentido da vida, é semelhante à uma bailarina de caixinha de música, gira, mas não sai do lugar. Cada movimento, o afasta mais de onde queria chegar, cada passo-não-passo aumenta proporcionalmente a angústia que queria se libertar.


O medo (as armadilhas da mata escura).

A busca permanece viva, mas caminha sobre um campo minado. Por “saber” que só existe um caminho correto, a alma teme “apostar” na porta errada, fato que lhe comprometeria todo o destino. Cada porta que se abre pode ser uma cilada dos homens ou do “inimigo”. Entrar ou não entrar, eis a questão, o risco é grande,
não há “test-drive” para a existência, no filme da vida só se diz câmera... ação uma vez.


A busca (abrir o peito à força numa procura).

A busca de si mesmo tem alta dose de adrenalina, não acontece sem paixão, sem a compressão das vísceras. O tato, a sensibilidade precisa se incorporar a uma coragem de ser.

Viver e existir é um “auto-parto”, alma é “parida” nas entranhas da vida sem anestesia geral ou pelidural, onde o “fórceps” é o padrão. A dor é a via da vida, não se nasce sem a “dilatação” do si mesmo. Esse é o sentido da palavra “ek-sistir”, que literalmente significa sair de si mesmo, menos que isso a única certeza seria um aborto existencial.


A dúvida (longe se vai... onde se chega assim).

A alma se preocupa com o percurso, porque é ele que define o destino. A matéria-prima da eternidade é a vida, ninguém vai para um “lá”, sem passar por um “cá”.

Embora a dúvida esteja presente durante a caminhada, trazendo certa insegurança, ela também tem seu valor positivo. A dúvida faz o contraponto necessário de uma segurança equivocada. Ela mantém a alma sempre em tensão para que a mesma não se engane pela ilusão de que já chegou lá.

O porto-destino não é meramente o alcance de uma resposta, mas ser a resposta. Lembre-se: o homem é caça e caçador, a caçada consiste justamente na posse de uma única recompensa, ser-si-mesmo no aqui-agora da vida.

Conforme dito anteriormente, a letra reflete de modo singular o drama da existência humana. É uma mini tragédia grega com traços tupiniquim. Mas, ao mesmo tempo que elabora bem a crise de todo homem debaixo do sol não apresenta as causas de tal desordem, nem o remédio para curá-la.

O texto comete o mesmo equívoco de Pitágoras (480 a.C), que dizia que o homem é a medida de todas as coisas. Ninguém pode
encontrar em si mesmo a razão de sua existência. Somos tão complexos e limitados que imaginar simplesmente que nos “bastamos”, já por si só é motivo de frustração.

Como disse um sábio do passado, Agostinho: Deus, te conhecer e me conhecer. A sabedoria da alma e o auto-conhecimento é sempre derivado do conhecimento de Deus. Vejamos tais argumentos numa análise do texto de Provérbios.


A ausência da sabedoria e angústia existencial. (Provérbios 30:1).

A expressão homem aqui, não refere-se somente a um indivíduo específico da raça humana, é um drama de todo gênero. Os sintomas do homem tipificado são expressos através da fadiga e exaustão. A mente e o corpo perguntam os porquês e quando as respostas não chegam, a dor do existir influência e compromete as estruturas .

A fadiga psico-física e a exaustão “batem o cartão” no relógio da vida sem faltar nenhum dia, cada hoje e amanhã se transforma num tédio de tudo, presente na mais obscura dimensão de cada ser.


A busca de sabedoria e o sentido de pessoa. (Provérbios 30:2).

A grande e única questão da vida, é responder o que significa ser homem, ser pessoa. O mistério da vida só pode ser encontrado na intensidade da busca que se acentua ou diminui à proporção da coragem do ser.

Quando a “passagem” do tempo não escancara de imediato as respostas, a alma “questiona” a si mesma e o existir, desqualificando seu próprio sentido de pessoa.

Há um “prazo de validade” para se encontrar a “razão” de ser homem (gênero), parece que nenhum prazer se compara ao próprio 
prazer de ser si mesmo diante de um Outro, no caso, Deus.


A relação entre a sabedoria e o conhecimento de Deus.

Li certa vez num livro de antropologia que a raiz da palavra homem (antropos) na língua grega significa alguém que olha para o alto. O homem só é, quando olha para o alto, para um outro que não ele mesmo, a quem chamamos de Deus.


Ser homem é desvendar o sentido do que se é. Tal sentido não pode ser encontrado em si mesmo pelo fato do homem ser criatura e não Criador. Como diziam os antigos, do nada não pode surgir o ser.

A sabedoria não é uma virtude neutra destacada de um ser que não seja Deus. Da mesma forma que o perfume é um atributo da rosa, a sabedoria é um atributo de Deus.

Para lidar com os conflitos da vida, o homem precisa não de auto ajuda, mas de ajuda do alto. Tal sabedoria derramada são milagres cotidianos que transformam aqueles que os recebem em “gigantes” espirituais, não mais refém das circunstâncias ou tragédias pessoais.
Se na raiz de antropos está o conceito de alguém que olha para o alto, é também do alto que vem a verdadeira sabedoria. (Tiago 1:5). 

A criatura pergunta “como”, o Criador responde “assim”. A carência do homem, levanta seu olhar até Deus, a bondade de Deus “baixa” seu olhar até o homem, ambos olhares se entrecruzam no espaço, que pela “relatividade” do Espírito se transforma em tempo, entre o homem e Deus, Deus e o homem no horizonte do ser.

Embora esse homem emblemático tenha citado várias vezes a expressão Deus, torna-se evidente que a distância entre ambos é considerável. Tal paradoxo pode ser explicado pela compreensão equivocada de parte da humanidade sobre a essência do que significa “conhecer” Deus.

Para muitos “conhecer” Deus é “saber” sobre Ele. Crê-se que algumas informações e conceitos a cerca de Deus é o suficiente para alcançá-lo. Deus não é uma idéia ou aspiração humana, é uma pessoa, e como tal só pode ser “conhecido” e encontrado na esfera do relacionamento.

Como bem disse W. Tozer: Nos levantamos pela manhã e imaginamos. – Deus “deve” existir. Ao invés de ir em busca do Deus que existe, vamos a procura do Deus que “deve” existir. Esta é uma das causas da angústia e fadiga existencial.


A sabedoria e o intermediário entre Deus e o homem. (Provérbios 30:4).

A sabedoria para a vida não pode ser encontrada num manual de passos, livros de auto-ajuda ou agentes humanos. A vida é complexa, cada experiência tem variáveis e conseqüências impossíveis de se predizer. Só Deus estará no “ali” e no “aqui” de cada ser humano. Só ele consegue observar o “making of” da vida, justamente por ser o diretor e produtor da mesma.

No “drama” do homem citado, consciente de que não tem “acesso” direto a Deus, ele procura um intermediário, alguém que represente seus negócios na “coisa” pública de Deus.

O homem em questão pergunta: Quem foi ao céu e desceu? Ele tem nome? Ele tem um Filho? São as respostas a essas três perguntas que diferem o cristianismo de uma mera religião ou seita espiritual.

Imagine um edifício de 50 andares com apenas dois moradores, Deus e o homem, o primeiro mora no último andar e o segundo no térreo. Toda religião ensina que o homem que aciona o elevador e “sobe” até o último para encontrar Deus. O cristianismo afirma o contrário, por causa do pecado esse elevador tem um defeito não pode subir, só desce. É isso que Deus faz em Cristo, é Ele que desce para buscar o homem, consertar o defeito (pecado) e levar o homem até o céu.

Só uma pessoa veio do céu, era Filho de Deus, e seu nome é Jesus, resposta exata... sem o auxílio dos universitários...


A sabedoria e o controle das leis que regem o universo.

Há, por parte de muitos que vivem debaixo do sol certo estranhamento sobre o estar-no-mundo, principalmente no que concerne o controle da natureza e as leis que criaram e mantém o universo.

A síndrome de “estranho no ninho” não é da intromissão de um invasor, mas do ser chamado homem que ainda vê o mundo como não-lugar, mesmo que seja apenas temporariamente.

Na crise do homem sem Deus o temor alcança não somente o subjetivo, mas também o objetivo. A dúvida agora se manifesta na ordem do cosmos; Quem controla o vento, o mar e os limites da terra? (Provérbios 30:4).

Não é suficiente ordenar o interior, é necessário fechar os olhos todos os dias e dormir com a consciência de que o mundo é sustentado por um “Quem” que sabe o que está fazendo, e, que qualquer intercorrência é somente uma “alteração” visível de algo maior ocorrendo no campo do invisível para o melhor de sua criação e criaturas.

É notável que no texto de nossa análise, o homem sem Deus é cheio de questionamentos e negatividade. Só no verso quatro há seis perguntas essenciais (“Quem”) e em apenas três versículos, três vezes o advérbio de negação aparece (não).


Conclusão:


A sabedoria não acontece por acaso, é sempre produto de uma procura constante e interminável, seu princípio é sua própria busca (Provérbios 4:7). Quando a sabedoria é buscada como uma virtude mais valiosa que qualquer jóia preciosa, (Provérbios 2:4) ela produzirá um encontro espetacular entre a alma e Deus, (Provérbios 2:5), pois só d´Ele vem o verdadeiro saber para se conduzir a vida com qualidade e iluminação espiritual (Provérbios 2:6). Portanto, é o conhecimento de Deus que produz sabedoria, é um “andar” com Ele que modifica a vida, esse é o sentido da palavra conhecer, (cognoscere) ter uma noção com Alguém, é um Com-Ele-Ser.

5 comentários:

  1. Perfeito, que o Senhor continue lhe concedendo sabedoria e graça para partilhar conosco o que Ele é em tua vida!!!!!!!!!!

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  2. Muito bom! Adorei. Não sou espírita, mas tenho muita vontade de conhecer melhor!

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  3. Parabéns, compartilhei sua análise ao grupo em que participo, pois estamos nesta mesma análise de estudo, e buscando nós conhecer, buscando o nosso eu!

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